quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Histórias e mais histórias...

A Filhó Dourada


A Filhó Dourada



A história que vou contar chama-se: "A Filhó Dourada". Douradas, muito douradinhas são elas todas, empilhadas na travessa, como um castelo por conquistar.
As últimas são as melhores. Têm mais açúcar, desfazem-se mal lhes tocamos? A gente pega delicadamente numa das que sobraram, dá-lhe um impulso que a ponha a deslizar na travessa, para ensopar bem, e num gesto rápido, sem pingar a toalha, mete-a na boca. O estalar dela, de encontro aos nossos dentes, é música com açúcar.
Naquela ceia de Natal, todos tinham comido filhós.
- Estão uma delícia - comentavam.
E, porque estavam uma delícia, não tinha sobrado senão uma, no fundo da travessa. Era uma ilha minúscula e redondinha, rodeada por um mar de açúcar. Todos os olhos fitavam a filhó, que estalava em reflexos de oiro. Uma tentação.
À roda da mesa, diziam para o avô:
- Só ficou uma filhó. Porque é que a não come?
O avô, então, virava-se para a avó e segredava-lhe:
- Come tu, anda lá.
A avó não queria.
- Comam vocês - dizia ela, apontando para a filhó e para os filhos.
- Eu já comi muitas - desculpava-se um.
- Também tenho a minha conta - dizia outro.
- Nem mais um bocadinho - declarava um terceiro.
Parecia que nenhum queria tomar a responsabilidade de comer a filhó. No entanto, ela lá estava muito dourada, a recortar-se no meio da calda de açúcar. Apetecia mesmo ver e comer.
Mas, à volta da mesa, não se decidiam. E a filhó, a última filhó, andava de boca em boca, sem se fixar na boca de ninguém. De oferta em oferta, chegou a vez da tia Luísa propor:
- Os pequenos que comam. Sempre quero ver qual dos meus sobrinhos chega primeiro à filhó.
Os meninos não se precipitaram sobre a filhó apetitosa, como seria de esperar. Cada um ficou à espera do primo ao lado, e o primo ao lado do outro primo ao lado. Fosse por acanhamento ou fosse por que fosse.
- Afinal ninguém a come - observaram do outro extremo da mesa. - Esta filhó deve ter mágica.
Olharam uns para os outros e sorriram.
A ceia estava no fim. Os meninos tinham sono. O avô cabeceava. Começou a ouvir-se o arrastar das cadeiras. Era a debandada.
- Amanhã se arruma a casa - disse a tia Luísa, e apagou a luz da sala de jantar.
Quando todos já se tinham ido embora, a filhó, no lusco-fusco, ao meio da mesa, começou a brilhar. Intensamente. Acreditem ou não, como se tivesse luz dentro. Como um pequeno sol ou um bocadinho de oiro, a desfazer-se em açúcar.
 Por António Torrado | Cristina Malaquias- História do dia

1 comentários:

Andreia disse...

Adorei ler esta historia.

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