Começa num sótão
de uma velha casa a história que vamos contar. De uma mala entreaberta sai uma
vozinha queixosa:
- Está frio,
hoje! A quantos estamos?
"Talvez em
Dezembro", “Parece-me que em Novembro...", "Não sei se em
Janeiro...", respondem várias vozes estremunhadas.
- O cuco do
relógio sabe. Dêem-lhe corda que ele diz - lembra outra voz mais esperta.
Da mala
entreaberta sai um ursinho cor de canela, mas um pouco descorado.
Espreguiça-se, volta a espreguiçar-se e trepa custosamente a um escadote.
Pendurado na parede e parado está o relógio de cuco, que já se não usa. O que
se não usa está usado ou estragado, no sótão fica guardado.
- Não trabalho,
mas faço contas de cabeça - diz de lá o cuco. - Se perco a conta ao tempo,
nunca mais me acerto.
- Anda lá,
despacha-te, e diz-nos a quantos estamos! - impacienta-se o ursinho de peluche.
- Neste momento
são precisamente nove horas, treze minutos e vinte e cinco segundos... Cucu...
cucu... cucu...
- O dia, o dia!
- exigem várias vozes do rés-do-chão.
- ... do dia 24
de Dezembro de... Cucu... cucu... cucu...
- Véspera de
Natal, imaginem - e uma boneca de cabelo emaranhado e saia traçada salta de uma
gaveta a correr.
- Para onde vais
tu com tanta pressa? - pergunta-lhe, do cimo do escadote, o ursinho cor de
canela.
- Vou
arranjar-me para a ceia. Estou atrasadíssima.
Um palhaço
amolgado aparece, a piscar os olhos, detrás de uma velha cómoda.
- Vai ver-te ao
espelho, boneca tola! - diz-lhe ele.
- Detesto
espelhos... - e a boneca põe-se a chorar.
De caixas,
gavetas e arcas saem mais bonecos e brinquedos. Soldadinhos de espingarda
partida, cavalos sem orelhas, macacos de algodão com o algodão à mostra, burros
de pasta ratada e até um carro de bombeiros, equilibrado em três rodas, acorrem
ao choro da boneca.
- Há novidade?
Há fogo, inundação, desastre? É preciso ajuda? - perguntam os bombeiros uns aos
outros.
O palhaço
amolgado tranquiliza-os:
- Nada disso. É
ela que não se conforma e não acredita que já ninguém a quer. Quem precisa de
uma boneca velha?
- Pois é. Já não
prestamos para nada - comentam os outros bonecos.
Lentamente,
esgaçados uns, esbarrigados outros, rachados uns quantos, regressam às gavetas,
arcas, sacos e caixas... Estas conversas não adiantam. Mais vale dormir.
Mas o urso de
peluche, que continua empoleirado no cimo do escadote, fala para a boneca, de
forma a que os outros oiçam:
- Estou, daqui,
a ver a máquina de costura antiga. No armário há vestidos pendurados, tão
velhos como nós, mas alguns de bom tecido. Lembrei-me de que tu podias...
A boneca limpa
as lágrimas e levanta os olhos para o ursinho:
- Que linda
ideia! Achas que posso?
Mais brinquedos
oferecem os seus serviços.
- De caminho,
podias consertar-me a barriga - pede o macaco de algodão. - Estou todo
descosido.
- Também me dava
jeito que me pregasses as orelhas... - lembra o cavalo de feltro.
De novo a voz do
ursinho de peluche, do cimo do escadote:
- Do meu mirante
também vejo latas de tinta, que os pintores, que andaram a arranjar a casa,
aqui deixaram.
- Estamos mesmo
precisados de fardas novas.
- E nós! E nós!
- ecoam os bombeiros.
- Pregos,
martelos e outras ferramentas não faltam, por aí espalhados - grita, cada vez
mais alegre, o ursinho de peluche. - Mãos à obra, meus amigos!
Digamos já, para
encurtar a história, que aquele sótão, há pouco triste e sonolento, se
transformou numa animada oficina de brinquedos.
- E agora? -
perguntam os bonecos, com caras novas e vestidos floridos.
- Agora vamos
descer pela chaminé - comanda o urso. - Já deve faltar pouco para a meia-noite.
Que grande surpresa vai ser!
O pêlo do
ursinho de peluche está eriçado de entusiasmo.
Na manhã
seguinte:
- Alfredo, vem
ver o que está na chaminé!
- Que é, Noémia?
Caiu algum tijolo?
- Qual quê,
homem! Anda ver. Caíram bonecos e brinquedos do telhado. Foi, com certeza, o
Pai Natal.
- O Pai Natal?
Na nossa idade?
O senhor Alfredo
ficou embasbacado. Imaginem dois amáveis velhinhos, o senhor Alfredo e a dona
Noémia, únicos habitantes daquela casa, a olharem, sem acreditar, para as
surpresas reluzentes que o Pai Natal lhes deixou na chaminé...
- Repara,
mulher: aquela boneca não é parecida com a que demos à nossa filha? E aquele
macaco? Naturalmente, caíram do sótão. O soalho deve ter dado de si... Vou lá
acima ver.
- Deixa lá isso,
agora! Repara que estes brinquedos estão como novos. Parece que o tempo não
passou por eles.
- Até é mal
empregado que estejam lá em cima a estragar-se. E se fôssemos...? - sugere o
senhor Alfredo.
- Vamos -
responde a dona Noémia.
O senhor Alfredo
e a dona Noémia entendem-se por meias palavras, mas nós, nas linhas desta
história, temos de contar as palavras todas. Saibam, pois, que graças aos dois
simpáticos velhinhos, transformados, para o efeito, em ajudantes de Pai Natal,
os brinquedos do sótão voltaram a conhecer as mãos macias dos meninos.